O pai Luís e a avó Helena

crónicas de inharrime- O PAI LUÍS E A AVÓ HELENA
       O pai Luís e a avó Helena são a família da Niza e da Ingrácia. A Irmã Lucília pediu-me que as acompanhasse. Íamos visitar a família e buscar o remédio da asma da Ingrácia – um mel com o qual a avó costumava tratar a sua menina
         Quando chegámos não estava ninguém. A avó Helena tinha ido ao hospital e o pai Luís estava a chegar.
        Aguardámos na casa da avó Helena e entretanto apareceu o pai Luís. Apresentou-se com roupas de um indigente mas com um vulto possante. Rapidamente verificou se todos tinham uma cadeira para se sentarem.
        Esperava-me a conversa mais significativa que tive em Moçambique. Duas horas de conversa fiada.
      O pai Luís foi seleccionado para estudar em Cuba. O acordo entre os dois países terminou e não pode terminar o seu curso técnico que teria permitido aceder a um bom cargo em Moçambique. Voltou à sua terra.
     Falámos da descolonização, da politica, das mulheres e dos homens moçambicanos, do Moçambique de hoje, dos projetos que vão irrompendo e vão terminado - as máquinas de costura que foram dadas a mulheres para a sua autonomia e da dificuldade que há em Moçambique em manter os bons projetos - e outros temas que iam surgindo.
     O pai Luís tem saberes do tempo, tem opiniões, tem aquele gosto pela conversa que faz a quem ouve sentir-se um privilegiado.
     A determinado momento o pai Luís disse que nunca tinha voltado a casar pois não sabia porque a mulher tinha feito “aquilo”. Quando ouvi, deduzi e percebi que a sua confidência pedia ajuda. Percebi que estava no meio de um momento único. Expliquei o que são doenças mentais e como tantas vezes o que desencadeiam não tem uma razão objetiva. Ele a dizer o que todos estes anos tinha sofrido com a sua culpa para a qual não encontrava explicações. Por ventura, não tinha ainda disposto as cadeiras para a conversa. As meninas nunca tinham ouvido a história que tinha marcado a vida do seu pai e as suas.
      Chegou a avó Helena. Vinha com o saco dos comprimidos com desenhos. Pediu ajuda para confirmar a interpretação dos desenhos. Vinha com fome. Pegou no tacho e comeu o jantar que tinha sobrado do dia anterior – mandioca e amendoins, que a terra à volta da sua casa lhe dava. Mostrou-me a única fotografia que tinha de si quando era nova e mostrou o seu desejo de a reproduzir pois a água tinha estragado o papel. Contou-me que antes da independência tinha tomado conta de meninos brancos.
      O paí Luís ofereceu-me uma bebida. Foi à árvore, partiu o lanho (coco verde que tem uma água maravilhosa e o fruto é muito suave) e ofereceu. Havia mangas caídas no chão e oferecidas pela árvore.
      Quis mostrar-me tudo o que tinha e lá atravessámos a estrada para ir ver os seus terrenos, as suas mangueiras, a sua casa. Um fogo tinha devastado aquele espaço há alguns anos. A administração local ia tirar-lhe tudo pois o campo precisava de ser lavrado e não podia estar abandonado. Ia perder tudo pois não tinha meios para a manutenção exigida. O dinheiro apareceu. A Irmã Lucília fez chegar o que era preciso para lavrar o campo e permitir que aquele homem não perdesse os seus bens. Aqui e ali ouvi histórias destas. Que estão muito para além do bem que é feito em Inharrime. Por isso em Inharrime, por estes dias, se celebrou a festa da Festa da Gratidão.
      No meio do nosso passeio o pai Luís chamou uma criança e deu-lhe um saco de mangas. Disse qualquer coisa que não percebi. Explicou-me depois que eram para ser entregues a uma vizinha idosa que era pobre pois não tinha ninguém nem tinha machamba.
      No final da visita quis dar-me tudo o que tinha. Vim carregada com mangas e lanho.
      É uma família feliz e boa nos campos de Inharrime e quando se despediram disseram-me que Deus é bom.


Share by: