O melhor de dois mundos
O testemunho da Andreia, que foi voluntária da AIP durante 3 meses, no fim de 2024, na Namaacha e em Inharrime.
O início…
Nas histórias que o meu pai, um senhor viajado, me contava, África cresceu comigo. Vagueava nesses relatos de simplicidade e imaginava cada detalhe deste mundo novo. Aos 12 anos, numa viagem em família, pisei, pela primeira vez, a terra vermelha, quando Cabo Verde foi o destino de férias elegido. Foi incrível, porém, insuficiente…
Dois anos volvidos, a minha tia, um exemplo de vida e de bondade, falou-me da AIP, mais concretamente do apadrinhamento, um projeto que por “uma modesta quantia de dinheiro mudava a vida de uma criança desfavorecida”. Era criança, mas não demorei a agarrar-me àquelas palavras e aloquei parte do meu ganho, advindo do trabalho de Verão, para, juntamente com a minha família, me tornar madrinha.
Os anos passaram e a AIP tornou-se cada vez mais presente, na sala de costura da minha avó. Reformada, costurava para “dignificar os pobres” e cada linha cozida, cada vestido feito carregava consigo um amor imensurável. Acompanhar todo este processo tornou-me, não só, mais próxima dela, mas também de tantas meninas que passei a sonhar conhecer!
Aos 18 anos, conheci a Irmã Lucília, esse ser de luz e inspiração, e ouvi com a maior atenção os seus anseios, desejos e histórias. Prometi-lhe que a iria visitar, dando de mim, tanto quanto possível e, gradualmente, esta promessa foi-se tornando um sonho. No entretanto, a ligação à AIP mantinha-se ativa, desde a recolha de doações e angariações de fundos, passando pela divulgação da associação e participação nos eventos solidários.
O meio…
Aos 24 anos, a promessa cumpriu-se e o sonho tornou-se real, com passagens compradas e de mala às costas, parti para a aventura. Por necessidade, o, até então impraticável, tornou-se real e tive “o melhor dos dois mundos”: Namaacha e Inharrime, eis-me aqui!
Comecei pela Namaacha, onde estive um mês. Num dia-a-dia muito dedicado ao acompanhamento escolar das meninas, ainda houve oportunidade para conversas profundas, noites a ver as estrelas, brincadeiras sem fim, dias de festa e passeio.
Segui para Inharrime, onde estive dois meses. Num ambiente distinto, maior e mais abrangente, continuei ao serviço e, além do reforço escolar e preparação para os exames finais, abraçava todas as tarefas que surgiam (e.g.: contabilidade, formação, machamba). Também aqui havia tempos livres, onde me fazia presente e qualquer atividade (e.g.: trançar, dançar, fazer desporto, pinturas, fazer pulseiras) era garantia de convívio e diversão.
Aliando a escassez de voluntários (apenas uma VLP portuguesa e ausência de voluntários espanhóis) ao meu desejo de me envolver com a comunidade, tive o privilégio de acompanhar, mais de perto, os restantes projetos da AIP. Ora tirando as fotos do apadrinhamento, apoiando as crianças albinas, participando na distribuição do leite e visitando escolas/famílias, várias foram as pessoas que conheci (inclusive o meu atual afilhado) e as histórias que vivi.
Além do mais, num misto que juntou a necessidade (falta de conhecimento e apoio à deficiência) à minha formação base (psicomotricidade), dediquei vários sábados a visitar, informar e apoiar as crianças apadrinhadas com deficiência, e fiz disso o meu pequeno projeto pessoal!
A reflexão…
Reconheci, em ambos os lugares, um encanto especial, vivi experiências incríveis e relacionei-me com pessoas extraordinárias, que fazem jus à expressão “terra de boa gente”. Constatei a importância que a AIP tem no terreno e a quantidade de famílias que, direta ou indiretamente, dela beneficiam. Deparei-me com histórias impactantes e deixei-me sensibilizar pelos olhares ternos, de quem por tanto já passou. Foram poucas as fotos, mas muitas as memórias.
Uma palavra de gratidão às Irmãs, por tão bem me acolherem e me fazerem sentir em casa, e um agradecimento especial à Irmã Lucília, pois o simples convívio com ela é enriquecedor, pelo seu exemplo diário de devoção, amor ao próximo e altruísmo. A minha promessa está cumprida, no entanto, espero voltar, pois há tanto por fazer, mais e melhor.
Mas, para já, espero veemente que aquele lugar encontre, de novo, a paz, que lhe tem sido roubada nestes últimos meses, pela situação sociopolítica tão difícil em que se encontram.
Depois de voltar, acredito que sou um pouco africana, não por ter nascido em África, mas sim porque África nasceu em mim. Afinal de contas, aquele lugar onde cheira a terra molhada e o relógio não para, é ainda melhor do que o meu pai me contava. O dialeto é o chope ou changana, mas a linguagem é a do amor, e é através dele que todos parecem fazer parte de uma família gigante.
Nas ruas, não faltam os chapas repletos, os coqueiros a perder de vista, as mulheres africanas com suas capulanas, as cores intensas, as crianças a trepar às árvores, o futebol e as brincadeiras de rua, as festas com música e dança, a abundância de castanhas, caju, coco e mangas…
Lá, onde o pôr do sol é uma pintura de Deus, o céu estrelado é um quadro natural, e a simplicidade o mote da alegria, a infância e a vida prevalecem no seu estado mais puro, livre e genuíno.