Testemunho da Sofia

Testemunho Da Sofia
Com o Coração Cheio

O testemunho da Sofia, que foi voluntária da AIP em Fevereiro 2024 em Inharrime, no Centro Laura Vicuña.

Voltarei. Não é uma promessa vaga, irreflectida e só porque a experiência foi positiva. Ser-me-à necessário. Ir a Moçambique fez-me perceber o que é sentir estar em casa, sem nunca lá ter estado antes. Os lugares são feitos de pessoas sem dúvida, mas é muito mais que isso.

O meu desejo de ir era antigo. Ouvi toda a minha vida sobre aquela terra, com carinho, com saudade e por vezes com alguma mágoa, não fossem os meus avós "os retornados". Sentia que tinha que devolver àquela terra o que de melhor me ofereceu, a minha mãe. Mas aquela terra não só aceitou de braços abertos o que eu tinha para dar, como também me deu mais do que aquilo que estava à espera. Parece cliché dizer que vim com o coração cheio, mas é a verdade. Vim com o coração cheio de amor, de afectos e de saudade.

Fim de Janeiro, entro no avião, com quase 12h de viagem pela frente e as lágrimas rolam-me pelo rosto. Um misto de medo, de ansiedade e de felicidade. É preciso ter coragem para sairmos do nosso conforto e da nossa segurança. O desconhecido mete sempre medo, seja ele onde for. Aterro na confusão, no calor e no suor. Ainda me faltam mais 7h de autocarro até Inharrime. “Onde me vim meter!” 5h da manhã no autocarro, rumo a Inharrime, sento-me ao lado de uma mulher moçambicana, conversámos toda a viagem, dormimos no ombro uma da outra, trocámos contactos e trocámos lanches. Aí soube o significado da “terra da boa gente”. Saio do autocarro, pés na terra vermelha, sou recebida com sorrisos. E foram estes sorrisos que me acompanharam todo o mês.

O meu dia começava cedo. 6h já estava de pé, pronta para mais um dia de acompanhamento do estudo. Ensinar as primeiras letras a uma criança que nunca tinha tido contacto com a escrita foi o mais gratificante. Ver a evolução de dia para dia, a letra O que se enrolava cada vez melhor. Ainda me lembro da lenga-lenga que lhe ensinei “vai para baixo, vai para cima, dá uma voltinha e faz uma perninha”. A parte mais dura da experiência foi num dia de oratório, ao perceber que um tema do quotidiano em Portugal era tabu em Moçambique – a higiene feminina. Meninas que nunca tinham falado sobre menstruação com ninguém, nem com as próprias mães (quando as tinham). No último dia, uma menina vem ter comigo para se despedir e agradecer pela conversa sobre este tema, que nunca se iria esquecer daqueles ensinamentos. As lágrimas vieram-me aos olhos, o sentimento que pelo menos fiz a diferença naquele momento.

Quero acreditar que o pouco tempo que estive lá fiz a diferença, não para alimentar o meu ego ou para sentir "missão cumprida", mas porque o tempo foi demasiado curto e mesmo assim foi tão marcante. O tempo voa naquela terra, com aqueles sorrisos. Achava eu que um mês era uma eternidade. Ingénua! Aprendi a descomplicar, a desenrascar e a simplificar. E aprendi que sou uma privilegiada em Portugal, por demasiadas coisas que estão à minha volta (já o sabia, na verdade, mas lidar com outras realidades...). Senti o que é ser livre, de pé sujo 24h, dancei sem julgamentos, falei sobre assuntos sérios, chorei muito pelas histórias tristes que ouvi e reflecti muito sobre a vida. Aquelas miúdas vão ficar para sempre no meu coração.

Até breve Moçambique, prometo que não demoro. Kanimambo.
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